Ruim para os adultos e pior ainda para as crianças. O uso excessivo de telas é muito mais prejudicial do que parece. Desde a tela por si só, com luzes do espectro azul, bem como o conteúdo que se assiste, ambos podem ser negativos para o desenvolvimento cognitivo e a neuroplasticidade das crianças.
Vale ressaltar que esse artigo não deve focar exclusivamente nas crianças, pois elas são espelhos dos pais. De nada adianta limitar o tempo de tela do bebê se você, mamãe, passa horas no celular também. As crianças nos observam, aprendem muito rápido tudo aquilo que elas presenciam nos pais — tanto as coisas boas quanto as prejudiciais — e reproduzem esses comportamentos.
Mas como, de fato, as telas prejudicam as crianças? O que acontece na prática? Vem comigo descobrir e entender como proteger e cuidar da saúde das crianças, da sua e criar um ambiente mais acolhedor e favorável para o desenvolvimento infantil.
Conteúdo
O que as telas fazem com o cérebro infantil?
O impacto do tempo de tela no desenvolvimento cognitivo das crianças não é igual para todo tipo de atividade feita nas telas. Alguns conteúdos educacionais podem ter benefícios, mas o consumo passivo de conteúdo e uso excessivo de smartphones possuem claros aspectos negativos.
Tamanho da massa cerebral diminuído
Pesquisas mostram que as telas prejudicam o cérebro infantil e afetam aspectos como estimulação cognitiva, atenção, aprendizado da linguagem e habilidades emocionais e sociais. Um estudo feito por Hutton et al. (2020) publicado na JAMA Pediatrics mostra que, no cérebro de crianças expostas a muito tempo de tela, a quantidade de massa branca e caminhos neurais era bem menor.¹
Já a massa cinzenta, que contém a maior parte dos nossos neurônios e é a parte que cuida do desenvolvimento cognitivo da criança, também se encontra diminuída em crianças e adolescentes com uso excessivo de smartphones e videogames, prejudicando vários aspectos da vida.²
Distúrbios do sono e da produção de melatonina
Um dos efeitos mais documentados do uso excessivo de telas é o impacto no sono e na produção do hormônio do sono chamado melatonina. A luz azul emitida por telas digitais interfere com o ciclo circadiano do corpo, diminuindo a produção do hormônio e gerando um efeito dominó de problemas como fadiga, estresse, mau humor, irritabilidade e má saúde cerebral como um todo.
Esse impacto é ainda pior caso o uso das telas aconteça próximo da hora de dormir, então, o ideal aqui é evitar ao máximo o uso de tela das crianças após as 18h e fazer higiene do sono. Parece restritivo demais, mas a ciência afirma que é o melhor que você pode fazer pelos seus filhos.⁴
Vícios e reforço intermitente
Existe um experimento na psicologia que é feito com um ratinho em uma gaiola com um botão. Toda vez que o ratinho aperta o botão, ele ganha um biscoitinho. Dessa forma, o ratinho aprende e ocasionalmente aperta para receber a recompensa.
Com isso em mente, cientistas se perguntaram o que aconteceria caso a recompensa — ou reforço — fosse distribuída de forma aleatória: o ratinho aperta e recebe, aperta e não recebe, aperta e recebe, depois recebe outra vez e por aí vai, de forma aleatória (intermitente). O resultado foi que o ratinho ficou viciado em apertar o botão obsessivamente. Esse é o princípio do reforço intermitente.⁵
Esse princípio é aplicado em cassinos, jogos de azar e pasme: em redes sociais como o Facebook, o TikTok e o Instagram, em jogos online e vídeo-games. Quanto mais se usa, mais é viciante. E quanto mais viciante, piores as consequências cognitivas.
Esse uso das telas causa a liberação de dopamina no cérebro em quantidades semelhantes a drogas como a cocaína, causando comportamentos agressivos e impulsivos. Existe até mesmo um termo chamado internet gaming disorder ou “distúrbio de jogos online”. Assustador, não? Lembre-se que isso afeta tanto crianças, quanto os pais.⁶
Conteúdo perigoso: abuso, pedofilia e bullying
Como o uso excessivo de telas estimula cada vez mais a busca por dopamina devido ao reforço intermitente, a busca por estímulos visuais e emocionais pode ser por jogos gradativamente mais violentos, discursos de ódio, bullying, pornografia e outros conteúdos perigosos. Os assuntos disponíveis na internet podem ser profundamente violentos e perigosos e todo cuidado é pouco.
O mais complicado é que esse tipo de conteúdo normaliza na cabeça da criança esse tipo de comportamento, deixando-a suscetível a possíveis abusos, a sofrer ou praticar bullying, a consumir ou até mesmo produzir pornografia, quando influenciada por adultos mal-intencionados. Uma estatística mostra que 76% dos acessos a conteúdos de pornografia infantil no mundo são feitos no Brasil.⁷
O uso excessivo de telas faz com que estejamos mais propensos a compartilhar muito das nossas vidas em redes sociais, buscar por aprovação alheia, likes e outros estímulos, porém isso pode ser perigoso de formas inesperadas. Evite colocar fotos do seu bebê ou criança em redes sociais, especialmente usando uniformes de escola, que podem identificar a criança e onde ela frequenta.
Além disso, existem casos de cyber bullying que levam adolescentes do mundo todo ao suicídio — estatísticas que aumentam cada vez mais. O uso indiscriminado de telas sem a devida intervenção dos pais pode levar a resultados tristes totalmente evitáveis.⁹
Distúrbios alimentares e sedentarismo
Ao acessar redes sociais de forma excessiva, as crianças passam muito tempo sem fazer atividade física e, por dormirem mal, devido aos efeitos do uso no cérebro, sentem mais fadiga mesmo quando sedentárias.
Concomitante a isso, a comparação com corpos de outras pessoas, principalmente entre as meninas que se comparam com famosas e blogueiras, pode levar a distúrbios como anorexia, bulimia e compulsão alimentar.
Como lidar e o que fazer com o uso excessivo de telas?
Eliminar por completo o uso de telas na atualidade é impraticável, estamos cada vez mais imersos no mundo digital. Portanto, é importante desenvolver estratégias para lidar com o problema e reduzir todos esses efeitos negativos.
As principais formas de lidar com isso é fazendo uma mudança no ambiente e nos hábitos e comportamentos da casa, acompanhados de uma boa conversa franca e compreensiva com as crianças.
Interromper o uso com cortes bruscos e broncas sem justificativas só vai gerar atrito e comportamento agressivo nas crianças, que possivelmente já estão adictas e acostumadas ao uso de telas.
O importante é sentar com as crianças, ficar da mesma altura que elas, olhar nos olhos e ter uma conversa franca, mostrar os motivos, explicar com calma, fazer mudanças graduais e alertar sobre os perigos do mundo digital.
Proporcione momentos de descontração longe das telas, como criar brinquedos não estruturados, levar as crianças para um parque, ler livros juntos, brincar com animais, fazer receitas na cozinha juntos e atividades físicas. Ah, temos um conteúdo que pode te ajudar com isso, olha só:
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Não adianta retirar os aparelhos das crianças e deixá-las sozinhas em um cômodo fechado. Crianças são seres cheios de energia que precisam socializar, rir, correr e brincar. Matricule as crianças em aulas de artes marciais ou natação, mantenha-as ocupadas. Dessa forma, elas não terão muito tempo ocioso para as telas e os perigos do mundo digital.
Crie um espaço interativo para estimular as crianças
Para reduzir o tempo de tela das crianças, sugiro a criação de um espaço interativo, estimulante e seguro, que promove o aprendizado através de atividades físicas e sensoriais. Esse ambiente pode incluir brinquedos educativos, jogos de coordenação motora e desafios de lógica, incentivando a curiosidade e o desenvolvimento sem a necessidade de aparelhos eletrônicos.
Instalações para atividades dinâmicas como escalada na parede, argolas para se pendurar, escorregadores e escadinhas podem ser muito benéficos. Também é interessante oferecer telas para pintura, instrumentos musicais e outros.
Apostar em um espaço pensado para engajar a criança de forma ativa é essencial para proporcionar experiências ricas que fortalecem suas habilidades cognitivas e sociais, ajudando a construir hábitos saudáveis desde cedo.
Agora que você já sabe os perigos do uso excessivo de telas, confira nosso post sobre o uso de maquiagem infantil e entenda quais são os perigos relacionados a esses produtos. Até lá!
Fontes
- PAULUS, M. P. et al. Screen media activity and brain structure in youth: Evidence for diverse structural correlation networks from the ABCD study. NeuroImage, v. 185, p. 140-153, 2018.¹
- MADIGAN, S. et al. Association between screen time and children’s performance on a developmental screening test. JAMA Pediatrics, v. 173, n. 3, p. 244-250, 2019.²
- TAKEUCHI, H. et al. The impact of television viewing on brain structures: cross-sectional and longitudinal analyses. Cerebral Cortex, v. 28, n. 5, p. 1644-1655, 2018.
- HU, C. et al. Excessive screen time is associated with poor cognitive performance and brain alterations in adolescents. Brain Imaging and Behavior, v. 14, n. 6, p. 2341-2350, 2020.
- CHANG, A. M. et al. Evening use of light-emitting eReaders negatively affects sleep, circadian timing, and next-morning alertness. Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 112, n. 4, p. 1232-1237, 2015. ⁴
- CARTER, B. et al. Association between portable screen-based media device access or use and sleep outcomes: a systematic review and meta-analysis. JAMA Pediatrics, v. 170, n. 12, p. 1202-1208, 2016.
- LOH, K. K.; KANAI, R. How has the Internet reshaped human cognition? The Neuroscientist, v. 20, n. 5, p. 506-520, 2014.
- ESQUEMA de Reforçamento Intermitente. Disponível em: https://psicoeduca.com.br/psicologia/teorias-e-sistemas/58-esquema-de-reforcamento-intermitente. Acesso em: 2 out. 2024.⁵
- HAYNES, T. Dopamine, Smartphones, and You: A Battle for Your Time. Harvard University – Science in the News. Disponível em: http://sitn.hms.harvard.edu/flash/2018/dopamine-smartphones-battle-time/. Acesso em: 2 out. 2024.⁶
- EXPLORAÇÃO sexual infantil na internet bate recorde em 2023. Agência Brasil. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2024-02/exploracao-sexual-infantil-na-internet-bate-recorde-em-2023. Acesso em: 2 out. 2024.⁷
- BRASIL, o país da pedofilia: eis uma estarrecedora estatística. JusBrasil. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/brasil-o-pais-da-pedofilia-eis-uma-estarrecedora-estatistica/220423704. Acesso em: 2 out. 2024.⁸
- CYBERBULLYING e casos de suicídio aumentam entre jovens. Agência Fiocruz. Disponível em: https://agencia.fiocruz.br/cyberbullying-e-casos-de-suic%C3%ADdio-aumentam-entre-jovens. Acesso em: 2 out. 2024. ⁹